Discurso
proferido pelo Dr. Paulo Japiassu Coelho dedicado aos Pais dos
Alunos, no dia 12 de setembro de 1941, às 19h30min, nos festejos das
Bodas de Ouro da Academia de Comércio de Juiz de Fora, Estado de
Minas Gerais.
Em
uma das tardes frias, nevoentas e irritantes que encerraram o mês de
agosto, voltava do meu afã diuturno quando lobriguei iluminada a
sala de frente da minha casa. Era indício seguro de visita.
Efetivamente, lá estava à minha espera a figura insinuante e sempre
bem-vinda do Padre Jorge, o Diretor mui querido desta casa. Antes de
mais preâmbulos, foi logo dizendo ao que ia. Levava-me a intimação
de também dizer, como ex-aluno da Academia, alguma coisa em uma das
sessões comemorativas do cinquentenário glorioso deste educandário
cristão.
O
frio que então me correu todo o corpo, penetrando-me até a medula,
foi mais intenso que aquele que o vento sul, sibilando, espalhava
sobre a terra, e principalmente, quando me foi marcado o dia de hoje
— Dia dos Pais. Falar depois de se terem ouvido discursos
memoráveis de oradores afeitos à arte de Mercúrio e Minerva, era
tarefa que reputava muito superior às minhas forças e quis recuar.
Ponderei, porém, a mim mesmo que recebia uma ordem e que as ordens
recebidas devem ser executadas sem discussão, quando elas promanam
de quem tenha autoridade para no-las dar e neste caso estava o Padre
Jorge como diretor deste estabelecimento em relação a mim, ex-aluno
da Academia.
Corri
por um momento os olhos e vi, num relance, se volverem para traz 39
anos no livro da minha vida, quando eu, pouco mais que menino,
ingressava no primeiro ano ginasial desse estabelecimento, onde
encontraria as fontes que me haviam de dessedentar o espírito
sequioso de instrução. Vi passarem diante de mim vultos venerandos
e queridos de cujos lábios eu ouvira os ensinamentos que procurava.
Processionais, majestosos, convincentes, passaram eles pela minha
retina, tais como eu os vira naqueles saudosos tempos em que róseos
nos eram os horizontes, fossem quais fossem os pontos cardeais que
mirássemos. Francisco Cohanier, Arthur Hoyer, Frederico Hellenbrock,
Emílio Soares, Aureliano Pimentel, Pinto de Moura, Luiz Andrés;
e... Theodoro Coelho a quem devo o meu ser e cuja memória eu evoco
com a mais profunda saudade de que é capaz o amor filial, tendo ao
lado Aristides Ribeiro, um dos mais distintos alunos que passaram
pelos bancos desta escola, o orador de nossa turma de bacharelato e
meu dileto amigo. Toda essa teoria querida desfilou no meu cérebro
com a rapidez do relâmpago que fuzila no espaço, prenunciando
tempestade ou prolongação de estio.
Parece
que cada qual me dizia: Não, não podes recuar, porque aquela casa é
para ti uma tradição. Nela teu pai transmitiu o saber a várias
gerações; nela se acenderam em ti as primeiras luzes da instrução
secundária e consolidaram-se ainda mais as convicções cristãs que
já trazias do teu lar profundamente católico; ali abeberam também
os teus filhos, se dessedentando nas mesmas fontes onde bebeste.
Não
mais hesitei e eis, senhores, porque aqui me encontro hoje nesta
tribuna. Já tão brilhantemente ocupada. Mas para bem se apreciar o
que é bom deve-se também conhecer, se não o que é de todo mau, ao
menos o que é pior.
Esta
casa é hoje para Juiz de Fora e para o Brasil uma tradição porque,
há meio século, coberta pela bandeira de Cristo, ela esbate sem
esmorecimento, as trevas da ignorância de milhares de brasileiros,
tornando-os cidadãos úteis à Pátria, em todos os setores das
atividades humanas.
E,
como tradição, deve ser por todos, cultuada e venerada, porque,
como disse um dos mais brilhantes pensadores dos tempos modernos.
— É um povo morto, um povo sem memória!
A
alma de um povo é todo o seu passado!
— Como pode existir a Pátria sem a história?
Sem
tradição não pode haver soldado!
Senhores,
nas comemorações do cinquentenário da Academia de Comércio foi o
dia de hoje consagrado aos pais e que honra insigne para eu falar
neste dia, interpretando o sentir de milhares de pais que confiaram
seus filhos queridos aos zelosos e abnegados Padres da Congregação
do Verbo Divino, os continuadores fiéis da obra gigantesca de
Francisco Batista de Oliveira.
Aos
pais não cumpre apenas prover do necessário o lar para o sustento
material da prole. A par do pão para o corpo, aos pais incumbe a
tarefa muito mais sublime de dar aos filhos o pão para o espírito,
o que, na maioria das vezes tem de ir procurar fora de casa e, às
vezes até, em terras longínquas. Aí é que está principalmente a
grande responsabilidade dos pais, pois deverão ser escrupulosos em
excesso na escolha daqueles a quem irão dar procuração com plenos
poderes para continuarem a plasmar o cérebro e o coração dos entes
queridos que irão perpetuar o seu nome. “O homem que educa o seu
filho trabalha para si; as virtudes do filho honram ao pai”.
(Eclesiastes, XXX, 19).
Há,
senhores, um provérbio chinês, sábio como todos os provérbios,
que diz: — O menino é o pai do homem. — Querem os chineses com
isto exprimir que é preciso ter-se em grande conta o menino, porque
ele um dia será homem e o valor desse homem será proporcional aos
cuidados que se dispensaram ao seu corpo e ao seu espírito, quando
um e outro estavam ainda em plena formação. — Esse sugestivo
provérbio pode ser assim expresso:
Não
descures do menino
Que
ele é o homem de amanhã,
Dai-lhe
o pão, dai-lhe o ensino,
Dai-lhe
uma vida cristã.
Sim!
Eduquemos os nossos filhos dentro dos princípios cristãos. É na
escolha de um educandário cristão que está toda a responsabilidade
dos pais, máxime na época sombria e incerta que atravessa a
humanidade, quando as forças do mal se congregam todas contra as
forças do bem. Quando se pretende arrancar, por todos os meios e
modos, Deus do coração da criança e da consciência dos homens.
Quando se tenta esponjar nas consciências o amor da Pátria,
universalizando-a, e aniquilar a família; quando, em uma palavra, se
quer a todo custo animalizar a humanidade.
Nesse
meado do século XX, de sequência imprevista, só de uma coisa
estamos certos: é que do vendaval tremendo que varre diabólico
quase todo o orbe, somente ficarão de pé os povos que tiverem
desfraldado com sinceridade a bandeira de Cristo. Só ela tem a
virtude que lhe vem de Deus de manter coesos, como os átomos de uma
molécula única, aqueles que se norteiam pelo mandamento divino que
nos manda “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a
nós mesmos”.
Na
escolha de um colégio cristão para os nossos filhos, nós os pais
brasileiros, seguindo as tradições dessa terra querida, teremos que
procurar aqueles que se abrigam, leigos ou religiosos, sob a égide
da Igreja Católica, da qual o Brasil recebeu, desde os primórdios,
a influência benéfica.
A
pena universal de Stefan Zweig, que há pouco nos visitou, em seu
livro “Brasil, País do Futuro”, assim se expressa: — Tomé de
Souza traz consigo seiscentos soldados ou marinheiros e quatrocentos
degredados, ao todo mil homens, com armaduras ou com camisas de
trabalho. Mais importante do que esses mil homens, cujo valor está
nos braços e na força, serão para os destinos do Brasil os seis
homens de batinas pretas e singelas que o rei enviou com Tomé de
Souza para direção e conselhos espirituais, que esses homens trazem
o que de mais precioso um povo e uma terra necessitam para sua
existência, trazem uma idéia, a idéia verdadeiramente criadora do
Brasil... Com esses seis homens começa algo de novo para o Brasil.
Todos os que antes deles chegaram ao Brasil fizeram-no em cumprimento
de uma ordem ou vítimas da violência, ou refugiados; quem até
então desembarcava na costa do Brasil queria tirar alguma coisa
desta terra, madeira ou frutos, ou aves, ou minérios, ou entes
humanos; nenhum deles pensara em retribuição à terra.
Os
Jesuítas são os primeiros que nada querem para si e tudo querem
para esta terra. “Sabem que a sua tarefa é perigosa e demorada.
Mas precisamente o fato de absolutamente visarem, desde o começo, um
alvo longínquo, colocado a séculos de distância, na eternidade,
distingue-os tão grandiosamente dos funcionários da Coroa e dos
guerreiros que querem para si e para a Pátria lucros imediatos e
visíveis. Os Jesuítas sabem perfeitamente que serão necessárias
gerações e gerações para que se complete esse processo de
abrasileiramento e que cedo um deles que arrisca a vida, a saúde e
as forças nesse começo, jamais verá os menores resultados de seus
esforços”.
Senhores,
não haverá bom brasileiro que seja capaz de negar o influxo
decisivo da Igreja Católica na formação da nossa nacionalidade, o
seu entrosamento em todas as nossas mais gloriosas tradições.
Os
Nóbregas e Anchietas multiplicaram-se, entretanto, nos quatro
séculos da nossa existência de terra conhecida. Já no seio mesmo
da Companhia de Jesus, já nas comunidades religiosas que depois se
radicaram a esta grande pátria, fundando aqui e acolá colégios por
onde passaram os grandes vultos da nossa história. E passam agora os
nossos filhos, os homens de amanhã, que plasmados nos sãos
princípios da moral cristã, no amor da pátria e da família hão
de transformar esta vasta extensão de terra abençoada que, mercê
de Deus, nos legaram os nossos antepassados em uma grande nação,
forte, respeitada e feliz.
Os
padres do Verbo Divino, continuando a obra grandiosa e altamente
patriótica de Batista de Oliveira, fazem-se credores da gratidão de
milhares de brasileiros que têm passado por estas saudosas salas de
aulas e que jubilosos assistem completar meio século de existência
fecunda a Academia de Comércio. Sublime anelo de Francisco Batista
que, da mansão celestial que Deus lhe há de ter concedido,
contempla enternecido a sua obra.
Senhores,
“a gratidão é a memória do coração” (Massieu) é, como diz
Livry, a primeira necessidade de uma bela alma. A gratidão é um
sentimento que se encontra até nos irracionais que sabem
manifestá-la por movimentos, vozes que lhes são próprias e até
por expressões fisionômicas bastante significativas. Nem há
epíteto que tanto deponha contra um homem qual seja o de ingrato. É
menos do que o irracional aquele que depressa se esquece dos
benefícios recebidos, perdendo a memória do coração; que não
aninha em sua alma essa primeira necessidade que é o reconhecimento,
ou que se envergonha de externar a sua gratidão.
Pais,
que como eu, confiastes os vossos queridos filhos a estes veneráveis
homens que vestindo, como Nóbrega e Anchieta, uma sotaina preta e
singela, trabalham também pela construção desta grande Pátria.
Permiti que, no meu nome e no vosso, eu lhes testemunhe de público a
nossa gratidão imorredoura, não permitindo se afoguem em nossos
corações este nobre sentimento, instintivo até nos irracionais.
Padres
do Verbo Divino, que dirigis a Academia, nós, os pais de vossos
discípulos, nesse momento augusto do cinquentenário desta
instituição vos testemunham a nossa gratidão e rogamos a Deus
derrame a sua bênção sobre a vossa comunidade.
Fonte
Bibliográfica:
Livro
“Academia de Comércio de Juiz de Fora — 1891 – 1941”.
104 páginas e 36 gravuras. Publicação da Academia de Comércio em
comemoração do seu cinquentenário. Tipografia do “Lar Católico”,
Rua Halfeld n.º 1179, Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, Brasil –
Ano de 1941.