28/11/2018

Um Belo Conselho


Discurso proferido pelo Dr. Paulo Japiassu Coelho dedicado aos Pais dos Alunos, no dia 12 de setembro de 1941, às 19h30min, nos festejos das Bodas de Ouro da Academia de Comércio de Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais.

Em uma das tardes frias, nevoentas e irritantes que encerraram o mês de agosto, voltava do meu afã diuturno quando lobriguei iluminada a sala de frente da minha casa. Era indício seguro de visita. Efetivamente, lá estava à minha espera a figura insinuante e sempre bem-vinda do Padre Jorge, o Diretor mui querido desta casa. Antes de mais preâmbulos, foi logo dizendo ao que ia. Levava-me a intimação de também dizer, como ex-aluno da Academia, alguma coisa em uma das sessões comemorativas do cinquentenário glorioso deste educandário cristão.
O frio que então me correu todo o corpo, penetrando-me até a medula, foi mais intenso que aquele que o vento sul, sibilando, espalhava sobre a terra, e principalmente, quando me foi marcado o dia de hoje — Dia dos Pais. Falar depois de se terem ouvido discursos memoráveis de oradores afeitos à arte de Mercúrio e Minerva, era tarefa que reputava muito superior às minhas forças e quis recuar. Ponderei, porém, a mim mesmo que recebia uma ordem e que as ordens recebidas devem ser executadas sem discussão, quando elas promanam de quem tenha autoridade para no-las dar e neste caso estava o Padre Jorge como diretor deste estabelecimento em relação a mim, ex-aluno da Academia.
Corri por um momento os olhos e vi, num relance, se volverem para traz 39 anos no livro da minha vida, quando eu, pouco mais que menino, ingressava no primeiro ano ginasial desse estabelecimento, onde encontraria as fontes que me haviam de dessedentar o espírito sequioso de instrução. Vi passarem diante de mim vultos venerandos e queridos de cujos lábios eu ouvira os ensinamentos que procurava. Processionais, majestosos, convincentes, passaram eles pela minha retina, tais como eu os vira naqueles saudosos tempos em que róseos nos eram os horizontes, fossem quais fossem os pontos cardeais que mirássemos. Francisco Cohanier, Arthur Hoyer, Frederico Hellenbrock, Emílio Soares, Aureliano Pimentel, Pinto de Moura, Luiz Andrés; e... Theodoro Coelho a quem devo o meu ser e cuja memória eu evoco com a mais profunda saudade de que é capaz o amor filial, tendo ao lado Aristides Ribeiro, um dos mais distintos alunos que passaram pelos bancos desta escola, o orador de nossa turma de bacharelato e meu dileto amigo. Toda essa teoria querida desfilou no meu cérebro com a rapidez do relâmpago que fuzila no espaço, prenunciando tempestade ou prolongação de estio.
Parece que cada qual me dizia: Não, não podes recuar, porque aquela casa é para ti uma tradição. Nela teu pai transmitiu o saber a várias gerações; nela se acenderam em ti as primeiras luzes da instrução secundária e consolidaram-se ainda mais as convicções cristãs que já trazias do teu lar profundamente católico; ali abeberam também os teus filhos, se dessedentando nas mesmas fontes onde bebeste.
Não mais hesitei e eis, senhores, porque aqui me encontro hoje nesta tribuna. Já tão brilhantemente ocupada. Mas para bem se apreciar o que é bom deve-se também conhecer, se não o que é de todo mau, ao menos o que é pior.
Esta casa é hoje para Juiz de Fora e para o Brasil uma tradição porque, há meio século, coberta pela bandeira de Cristo, ela esbate sem esmorecimento, as trevas da ignorância de milhares de brasileiros, tornando-os cidadãos úteis à Pátria, em todos os setores das atividades humanas.
E, como tradição, deve ser por todos, cultuada e venerada, porque, como disse um dos mais brilhantes pensadores dos tempos modernos.
— É um povo morto, um povo sem memória!
A alma de um povo é todo o seu passado!
 Como pode existir a Pátria sem a história?
Sem tradição não pode haver soldado!
Senhores, nas comemorações do cinquentenário da Academia de Comércio foi o dia de hoje consagrado aos pais e que honra insigne para eu falar neste dia, interpretando o sentir de milhares de pais que confiaram seus filhos queridos aos zelosos e abnegados Padres da Congregação do Verbo Divino, os continuadores fiéis da obra gigantesca de Francisco Batista de Oliveira.
Aos pais não cumpre apenas prover do necessário o lar para o sustento material da prole. A par do pão para o corpo, aos pais incumbe a tarefa muito mais sublime de dar aos filhos o pão para o espírito, o que, na maioria das vezes tem de ir procurar fora de casa e, às vezes até, em terras longínquas. Aí é que está principalmente a grande responsabilidade dos pais, pois deverão ser escrupulosos em excesso na escolha daqueles a quem irão dar procuração com plenos poderes para continuarem a plasmar o cérebro e o coração dos entes queridos que irão perpetuar o seu nome. “O homem que educa o seu filho trabalha para si; as virtudes do filho honram ao pai”. (Eclesiastes, XXX, 19).
Há, senhores, um provérbio chinês, sábio como todos os provérbios, que diz: — O menino é o pai do homem. — Querem os chineses com isto exprimir que é preciso ter-se em grande conta o menino, porque ele um dia será homem e o valor desse homem será proporcional aos cuidados que se dispensaram ao seu corpo e ao seu espírito, quando um e outro estavam ainda em plena formação. — Esse sugestivo provérbio pode ser assim expresso:
Não descures do menino
Que ele é o homem de amanhã,
Dai-lhe o pão, dai-lhe o ensino,
Dai-lhe uma vida cristã.
Sim! Eduquemos os nossos filhos dentro dos princípios cristãos. É na escolha de um educandário cristão que está toda a responsabilidade dos pais, máxime na época sombria e incerta que atravessa a humanidade, quando as forças do mal se congregam todas contra as forças do bem. Quando se pretende arrancar, por todos os meios e modos, Deus do coração da criança e da consciência dos homens. Quando se tenta esponjar nas consciências o amor da Pátria, universalizando-a, e aniquilar a família; quando, em uma palavra, se quer a todo custo animalizar a humanidade.
Nesse meado do século XX, de sequência imprevista, só de uma coisa estamos certos: é que do vendaval tremendo que varre diabólico quase todo o orbe, somente ficarão de pé os povos que tiverem desfraldado com sinceridade a bandeira de Cristo. Só ela tem a virtude que lhe vem de Deus de manter coesos, como os átomos de uma molécula única, aqueles que se norteiam pelo mandamento divino que nos manda “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”.
Na escolha de um colégio cristão para os nossos filhos, nós os pais brasileiros, seguindo as tradições dessa terra querida, teremos que procurar aqueles que se abrigam, leigos ou religiosos, sob a égide da Igreja Católica, da qual o Brasil recebeu, desde os primórdios, a influência benéfica.
A pena universal de Stefan Zweig, que há pouco nos visitou, em seu livro “Brasil, País do Futuro”, assim se expressa: — Tomé de Souza traz consigo seiscentos soldados ou marinheiros e quatrocentos degredados, ao todo mil homens, com armaduras ou com camisas de trabalho. Mais importante do que esses mil homens, cujo valor está nos braços e na força, serão para os destinos do Brasil os seis homens de batinas pretas e singelas que o rei enviou com Tomé de Souza para direção e conselhos espirituais, que esses homens trazem o que de mais precioso um povo e uma terra necessitam para sua existência, trazem uma idéia, a idéia verdadeiramente criadora do Brasil... Com esses seis homens começa algo de novo para o Brasil. Todos os que antes deles chegaram ao Brasil fizeram-no em cumprimento de uma ordem ou vítimas da violência, ou refugiados; quem até então desembarcava na costa do Brasil queria tirar alguma coisa desta terra, madeira ou frutos, ou aves, ou minérios, ou entes humanos; nenhum deles pensara em retribuição à terra.
Os Jesuítas são os primeiros que nada querem para si e tudo querem para esta terra. “Sabem que a sua tarefa é perigosa e demorada. Mas precisamente o fato de absolutamente visarem, desde o começo, um alvo longínquo, colocado a séculos de distância, na eternidade, distingue-os tão grandiosamente dos funcionários da Coroa e dos guerreiros que querem para si e para a Pátria lucros imediatos e visíveis. Os Jesuítas sabem perfeitamente que serão necessárias gerações e gerações para que se complete esse processo de abrasileiramento e que cedo um deles que arrisca a vida, a saúde e as forças nesse começo, jamais verá os menores resultados de seus esforços”.
Senhores, não haverá bom brasileiro que seja capaz de negar o influxo decisivo da Igreja Católica na formação da nossa nacionalidade, o seu entrosamento em todas as nossas mais gloriosas tradições.
Os Nóbregas e Anchietas multiplicaram-se, entretanto, nos quatro séculos da nossa existência de terra conhecida. Já no seio mesmo da Companhia de Jesus, já nas comunidades religiosas que depois se radicaram a esta grande pátria, fundando aqui e acolá colégios por onde passaram os grandes vultos da nossa história. E passam agora os nossos filhos, os homens de amanhã, que plasmados nos sãos princípios da moral cristã, no amor da pátria e da família hão de transformar esta vasta extensão de terra abençoada que, mercê de Deus, nos legaram os nossos antepassados em uma grande nação, forte, respeitada e feliz.
Os padres do Verbo Divino, continuando a obra grandiosa e altamente patriótica de Batista de Oliveira, fazem-se credores da gratidão de milhares de brasileiros que têm passado por estas saudosas salas de aulas e que jubilosos assistem completar meio século de existência fecunda a Academia de Comércio. Sublime anelo de Francisco Batista que, da mansão celestial que Deus lhe há de ter concedido, contempla enternecido a sua obra.
Senhores, “a gratidão é a memória do coração” (Massieu) é, como diz Livry, a primeira necessidade de uma bela alma. A gratidão é um sentimento que se encontra até nos irracionais que sabem manifestá-la por movimentos, vozes que lhes são próprias e até por expressões fisionômicas bastante significativas. Nem há epíteto que tanto deponha contra um homem qual seja o de ingrato. É menos do que o irracional aquele que depressa se esquece dos benefícios recebidos, perdendo a memória do coração; que não aninha em sua alma essa primeira necessidade que é o reconhecimento, ou que se envergonha de externar a sua gratidão.
Pais, que como eu, confiastes os vossos queridos filhos a estes veneráveis homens que vestindo, como Nóbrega e Anchieta, uma sotaina preta e singela, trabalham também pela construção desta grande Pátria. Permiti que, no meu nome e no vosso, eu lhes testemunhe de público a nossa gratidão imorredoura, não permitindo se afoguem em nossos corações este nobre sentimento, instintivo até nos irracionais.
Padres do Verbo Divino, que dirigis a Academia, nós, os pais de vossos discípulos, nesse momento augusto do cinquentenário desta instituição vos testemunham a nossa gratidão e rogamos a Deus derrame a sua bênção sobre a vossa comunidade.


Fonte Bibliográfica:
Livro “Academia de Comércio de Juiz de Fora — 1891 – 1941”. 104 páginas e 36 gravuras. Publicação da Academia de Comércio em comemoração do seu cinquentenário. Tipografia do “Lar Católico”, Rua Halfeld n.º 1179, Juiz de Fora, Estado de Minas Gerais, Brasil – Ano de 1941.